Ele saiu caminhando, não havia nada específico em mente, apenas não havia nada para fazer, só o desejo incontrolável de sair dali. Acendeu seu cigarro, a fumaça saia pela boca, os pensamentos iam e vinham, tantas divagações. Nada como a caminhada que espairece!
Não havia música no local, triste constatação, mas no entanto a mente reproduzia algo, não tinha muitos versos decorados, a maioria se confundia em meio a tantas canções, de tantos estilos, mas em comum as letras que falavam de amor, possivelmente o tema mais trabalhado pelos poetas de plantão que transformam poesia em som. Aliás, amor nunca foi seu forte, o azar lhe acompanha certo como uma manhã gelada no inverno, nada sabe o que pensar a respeito, talvez seja um chato, talvez lhe falte maior contato social e desenvoltura para falar, ele nunca chegou a uma conclusão, pobre infeliz.
Repentinamente para de pensar no amor, começa a refletir sobre a realidade, mais especificamente aquilo que o cerca e as seus camaradas, alguns libertários mal conhecem a realidade, não percebem seu autoritarismo na busca pela liberdade, mas também identifica vários erros nas percepções daqueles que lhes são mais próximos, pensa que também está longe da verdade, embora ela possa ser disputada, mas não gosta de cair no relativismo que a tudo permite, até a maior das barbaridades, afinal, neste prisma tudo é aceitável e mal argumentado, mesmo disfarçado.
Cessa um pensamento mais elaborado, volta a lembrar de mais uma canção, daquelas que trazem uma boa sensação, daquelas que caem no clichê de não haver palavras para explicar o que se sente, se sabe apenas que é muito bom, mas na frente de uma psicóloga todos se veem forçados a exprimir tudo aquilo que sentem em palavras, frases, parágrafos e textos completos com início, meio e fim.
Já se passaram, aproximadamente, trinta minutos de caminhada, o trajeto continua incerto, mesmo conhecendo cada beco da cidade e onde eles darão, na verdade, o trajeto é o que menos importa neste tipo de caminhada, não se trata de esporte, não se trata de uma meta, muito menos de saber quanto tempo ou qual a distância até um lugar qualquer; no fim, se trata de uma caminhada da compreensão, para colocar as ideias no lugar, o que acontece, na maioria das vezes, é surgirem mais dúvidas que certezas, mas de forma estranha isso acalma, não diria que traz felicidade, mas alívio por esquecer de muita coisa e ter seu próprio tempo, mesmo em meio a tantos que perambulam pelas vielas, estar na multidão é estar sozinho também.
Essa caminhada pode ocorrer em qualquer lugar, outra importante característica é não ter dia e horário específicos, o que importa é bater a vontade de se libertar ilusoriamente. No meio do caminho passa uma linda menina, mas ele não vai olhar, este não é o objetivo, o máximo que ocorre é pensar: que linda! E logo volta a divagar.
Qualquer coisa é motivo para rir, parece o retorno da inocência, ele fica mais dócil, a maioria que o percebe deve pensar que é louco, anda por aí rindo, com cara de bobo, mesmo o momento não significando propriamente uma comédia, do que tanto ri? Acho que nem ele sabe. Neste momento tudo o encanta, a percepção das coisas muda, sua imaginação aflora, o que sabidamente não é seu forte, ainda lembrando das músicas que não sabe de cor começa a imaginar a materialização dos versos, a música que fala da garota lhe faz ver a própria em sua frente, até parece que foi ele quem escreveu tamanha a riqueza de detalhes.
Os momentos de devaneios passam depois de um tempo, enquanto espera a próxima música tocar em sua cabeça, novamente pensa em sua realidade, nas milhares de coisas que tem de fazer e sempre parece que não vai dar conta, tenta sistematizá-las para a semana; depois pensa em sua solidão, em como é lembrado somente quando precisam dele, para os momentos de descontração ele fica de lado, mas também não faz questão de se expor, embora sempre se arrependa, pode ser que seja má companhia e não percebe.
Sua caminhada dura bastante tempo, anda prolongadamente, mesmo em ritmo lento. Chega um momento em que cansa de tudo aquilo e resolve voltar para casa, chega com uma cara boa, mas também preocupada, não gosta que perguntem o que estava fazendo, de alguma maneira isso o irrita, mas com certeza muitas caminhadas ainda o aguardam, seja daqui um mês ou uma semana, este desejo certamente voltará e mais uma vez será importante para que tudo volte ao lugar, mesmo que realmente nada mude, o prazer da ilusão lhe é satisfatório.
Eis que o sujeito chega à sua casa, cansado, contente, reflexivo, magoado e tantas outras coisas mais que se misturam. Volta para sua família, a rotina lhe aguarda entusiasmada e a vida que segue depois de mais uma caminhada.
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