domingo, 10 de janeiro de 2016

Sobre uma vida.

  Esta história se inicia num tempo não tão distante, trata-se da vida de um indivíduo que nasceu cerca de um quarto de século atrás. Sobre o início pouco se sabe, afinal de contas, quem lembra do início da própria vida?! Tampouco se tem algum registro, ele não é alguém muito conhecido. O pouco que se sabe foi através da sua família, mas ele nunca prestou muita atenção no que falaram e o tempo fez apagar a memória.
  O que se sabe é que sua vida foi marcada por mudanças, logo pequeno mudou de cidade com sua mãe e pai, saindo do interior para um grande centro. Suas lembranças começam a partir daí, ainda pequeno cresceu cercado de vários amigos, marcado pela timidez, pouca fala e pouca coragem para as artes tipicamente infantis. Como não poderia faltar, teve um grande melhor amigo, alguém com quem ousava compartilhar certas coisas, mas nunca foi muito aberto a relações e mesmo assim guardava seus maiores segredos para si. Lembra de uma infância incrivelmente feliz, com percalços é evidente, mas de saldo positivo. Seus percalços, em grande parte, causados pela incrível ansiedade que o abatia, levando a pensamentos e ações perigosas, mas ele resistiu sozinho, nunca foi de se queixar, pelo menos até ali.
  Mas eis que a vida pode trazer inflexões profundas, sua família se muda outra vez, desta vez para um lugar mais distante, de cultura diferente, o menino, já adolescente, pouco gostou, não se adaptou. Talvez por timidez, talvez por resistência, aquele jovem se isolou, acabaram-se as amizades, sua rotina se limitava ao convívio em casa e na escola, por pura obrigação, nada mais que isso. Por sorte, fez um amigo, ou melhor, alguém o fez amigo, um menino que insistia em puxar conversa, não se sabe muito bem o motivo, pois simpatia e abertura sentimental nunca foram o forte de nosso jovem, talvez mais uma daquelas pessoas simplesmente incríveis ou teimosas que o abraçaram. Talvez esse amigo nunca tenha tido noção da importância que teve para o nosso personagem principal, muitas conversas, muitas risadas. Por decisões e circunstâncias da vida, os dois se separaram ao findar o ensino fundamental, mudando de escola e reduzindo o contato a zero praticamente.
  Muda-se a escola para o ensino médio, vem outra realidade, novamente o isolamento e a persistência de seus problemas com ansiedade e socialização. Em outro momento chave de sua vida conhece quatro meninos e uma menina, tornam-se amigos, ao longo dos três anos seguintes o grupo de seis pessoas sofre ausências e voltas de alguns membros, permaneceram como núcleo dois meninos mais o nosso caro personagem, relação que permanece até hoje, embora separados pela distância nos últimos anos, mantendo correspondência e visitas anuais.
  Termina o ensino médio e nosso jovem muda-se para cursar universidade, como não poderia ser diferente, ele chega e permanece isolado por um ano inteiro, mantendo suas relações essenciais com família e colegas de aula. Sempre foi observador e atento, embora não interagisse, sabia quem eram todos os colegas de curso, não só de classe, decorando todos os nomes e histórias que ouvia pelos corredores, foi criando uma imagem de cada um, com alguns simpatizou, outros nem tanto. Seu isolamento nunca foi deliberado, ocorria "naturalmente", mas seu interesse por política mudaria bastante este quadro.
  A partir do segundo ano de graduação resolveu participar do movimento estudantil porque achava algo importante, sempre gostou de política, história e economia, desde criança impressionava adultos por assistir e ler jornais ao ponto de até ser repreendido pelo pai por interferir nas "conversas de adultos", uma tremenda falta de educação para quem vem de uma educação incrivelmente tradicional, onde qualquer um mais velho é tratado como senhor ou senhora. O envolvimento com política o obrigou a conhecer pessoas, a falar em público, a se arriscar com interação social, coisa que nunca foi o seu forte, isso o fez crescer, perder alguns medos e encarar multidões, não que a timidez tenha desaparecido, ainda é um sofrimento falar com os outros, seu corpo sua, as mãos tremem, o coração dispara.  Finalmente fez amizades na nova cidade.
  Na universidade se distanciou e se aproximou de várias pessoas, seja por perceber incompatibilidades, seja por discordar de ideias, sua mente sempre foi inquieta e relutante em aceitar "verdades", alguns chamariam de dogmas. O mais incrível foi conhecer pessoas, trajetórias que o sensibilizaram, que o tocaram e ensinaram, entrou em contato com perspectivas diferentes, ficou alegre, ficou triste, emocionado, angustiado, com raiva, com vontade de mudar o mundo, de ajudar, de mudar, enfim, nunca mais será o mesmo, aprendeu a se apaixonar pelos outros e suas histórias, a ouvir e respeitar mais. Mesmo que muitas dessas pessoas nem sonhem com isso, ele guarda lembranças carinhosas de muitos que compartilharam algum momento de vida ou período de convivência e amizade.
  Durante a maior parte do tempo em que se manteve isolado ocupava o tempo lendo, estudando, bebendo, correndo, ah, a corrida e o álcool foram grandes descobertas da vida para ele! Certamente garantiram que sobrevivesse aos dias difíceis. Sempre teve dificuldade em expressar o que sentia pelas pessoas, sejam quem fossem, familiares, amigos e os amores. Não que sinta vergonha de externalizar, mas é algo simplesmente difícil, ele quer, mas não consegue integralmente, mas isso tem melhorado na medida em que interage mais com o mundo, talvez porque comece a praticar e confiar mais em si e nos outros. Sempre se achou invisível, ainda se surpreende quando alguém lembra dele. 
  Se fazer amigos sempre foi difícil, se relacionar mais intimamente com alguém foi muito mais, teve poucos relacionamentos, poucos amores, até evitou ou ignorou galanteios por não saber como agir nem demonstrar afeto em público ou simplesmente na intimidade com o outro, uma tarefa árdua, não porque não sinta, mas porque é algo que não flui como deveria, foi cobrado por isso e certamente perdeu relações por isso. Se lamenta muito por essa dificuldade, pois quer dar vazão ao que sente. Mais recentemente se arriscou a conhecer profundamente pessoas, se envolveu profundamente, talvez mais do que deveria porque ao fim ficou partido, arrasado, mas tem sobrevivido. Chegou a se questionar se vale a pena continuar se relacionando, mas tem tentado, tem melhorado, mas tem descoberto que os rompimentos são muito difíceis, tem se apegado aos outros e as rupturas o corroem, ele não sabe manter uma distância, ele se entrega e quebra a cara, não tem conseguido perceber onde tem errado, os amores o tem deixado, embora diante de muitos elogios, pode ser apenas retórica, ainda não sabe, só sabe que tem amado e sofrido bastante com os fins, com os corações partidos. 
  Por sorte tem encontrado amigos e, principalmente, amigas que o ajudam, elas são valiosas e espera que tenha deixado isso claro a cada uma, bem como o quanto tem carinho por cada uma, assim como a seus familiares, para seus amores parece que isso não tem ficado evidente de forma suficiente, quem sabe um dia melhore, é a sua esperança. Falando em amigas, sempre preferiu socializar com mulheres, e os amigos que teve ou tem não se enquadram num padrão sexista ou preconceituoso, por exemplo, nem as meninas na verdade; pois enxerga na vivência com a maioria dos homens e até mulheres uma concorrência estúpida por coisas ou pessoas, além de destilarem muitos preconceitos e agressividade no modo de ser, as características de socialização que o incomodam ainda não estão muitos claras, mas são mais ou menos estas, acaba por preferir os diferentes dos padrões condicionados socialmente, é onde se sente acolhido.
  O jovem de nossa história passa por um momento de ruptura e ao mesmo tempo de novas perspectivas, tem sido doloroso, mas tem sido alegre também e é importante lembrar disso, nem só de tragédia é feita sua trajetória, embora seja o que mais o marque. Sua história continua, não se sabe até quando, mas na medida do possível espero que ele me atualize para que eu possa acompanhar e relatar pois as histórias de vida me apetecem.